Brasil entra na era dos grandes complexos solares

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País inaugurou o maior complexo solar da América Latina, com 1,2 GWp, no melhor ano para o segmento, em que deve adicionar 4,4 GW. Por um lado, a expansão do mercado livre pode impulsionar os grandes projetos, mas, por outro, a disponibilidade de conexão é um desafio

O Brasil está entrando em uma nova fase de crescimento da geração solar centralizada em 2023 e o Complexo Solar Janaúba, com 1,2 GWp instalado, é o mais recente exemplo dos grandes projetos fotovoltaicos entrando em operação no país. Localizado no norte do estado de Minas Gerais, o complexo ocupa uma área de 3,069 hectares, equivalente a mais de quatro mil campos de futebol, com 2.2 milhões de módulos fotovoltaicos instalados.   

O projeto recebeu investimentos de R$ 4 bilhões e contou com financiamento de R$ 1.47 bilhão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O projeto foi adquirido pela Elera, uma empresa do grupo Brookfield, em 2020, e foi construído em meio a pandemia de Covid-19.  

“Iniciamos a construção em 2021 e tínhamos um ano e meio para entregar a primeira fase do projeto, em um momento no qual a indústria PV também foi impactada pela crise global de suprimentos e a pressão inflacionária sobre os insumos, agravada com a guerra na Ucrânia. Foi nesse contexto que iniciamos o maior projeto solar a ser construído nas Américas e no hemisfério Sul, cuja área total cobre mais que metade da ilha do Manhattan”, comenta o diretor de Desenvolvimento de Novos Negócios da Elera, Carlos Guerra.  

O megaprojeto fornecerá energia no modelo de autoprodução, em que o consumidor tem uma participação societária na usina. O complexo de Janaúba conta com quatro consumidores parceiros nesse arranjo, incluindo a LIASA, produtora de silício metálico.    

Embora seja a maior usina solar em operação no país, Janaúba não é um caso isolado. No estado do Piauí, a Enel opera o complexo São Gonçalo, com 864 MW de capacidade instalada, que foi instalado em três fases. A última ampliação do complexo, de 256 MW, também foi inaugurada em 2023, em janeiro, e teve construção iniciada em 2020. Em julho, a gigante mineradora Vale inaugurou um complexo de 766 MW, em Minas Gerais, que irá suprir 16% de sua demanda de energia.  

19 GW até 2026  

De fato, a geração solar centralizada deve conectar ao todo 4,4 GW em 2023, a maior adição anual do histórico iniciado em 2017, quando foram entregues 933 MW. “A Absolar acredita que o Brasil pode atingir 18,9 GW de potência acumulada até 2026, então sai dos 7,4 GW do final de 2022 e acrescenta 11,5 GW de 2023 até 2026”, diz o vice-presidente de geração centralizada da associação, Ricardo Barros.  

Ao todo, o país tem 10 GW de capacidade instalada e mais 131 GW em projetos autorizados pela Aneel, até julho. Os estados de Minas Gerais, Bahia e Piauí são os líderes tanto em capacidade instalada, com 3,1 GW, 2 GW e 1,4 GW, respectivamente, quanto em projetos autorizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), com um pipeline de 41,7 GW, 23,8 GW e 17,1 GW, respectivamente.  

Mas essa oferta de 131 GW terá de competir por uma demanda consideravelmente menor – a Empresa de Pesquisa Energética, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, projeta que o Brasil precisará de mais 66 GW de capacidade instalada até 2032.   

“O crescimento da fonte no Brasil está associado ao crescimento da demanda. Então a gente conta com a retomada da economia do país. O crescimento esperado para esse ano é de pouco mais de 2%”, diz o vice-presidente de geração centralizada da Absolar, Ricardo Barros. A demanda de energia deve crescer 2,9% em 2023, de acordo com órgãos do governo.   

Mercado livre  

Para além do crescimento do consumo de energia, o que pode impulsionar a geração solar de grande porte no Brasil deve ser a ampliação de consumidores elegíveis para participar do mercado livre de energia, no qual podem negociar energia diretamente com os produtores ou comercializadores. Atualmente, esse segmento é limitado para grandes indústrias e grandes consumidores, com demanda acima de 500 kW.  

A partir de janeiro de 2024, qualquer consumidor conectado na rede de alta tensão (acima de 2,3 kV), independentemente do seu consumo, poderá participar do mercado livre. Estima-se que esses consumidores que poderão migrar representem aproximadamente 8.653 MW médios.  

O mercado livre corresponde atualmente a 38% do consumo de energia elétrica nacional (24.945 MW médios), atendendo quase 30 mil consumidores. A abertura para o restante dos consumidores em alta tensão pode fazer o mercado livre de energia ser responsável por 48% do consumo nacional, estima a Associação Brasileira  de  Comercialização de Energia.   

De fato, esse ambiente já é o mais importante para a comercialização de energia solar de grande porte. Dos 10 GW em operação no país atualmente, 6 GW estão gerando energia para atender contratos privados. A capacidade restante foi contratada em leilões públicos organizados pelo governo federal para abastecer as utilities, que atendem os consumidores com demanda abaixo de 500 kW ou que decidiram não migrar para o mercado livre. Mas a contratação em leilões vem sendo cada vez menos expressiva.   

E a expansão futura deve continuar sendo dominada pelos contratos privados. Em abril, a consultoria Clean Energy Latin America (CELA) mapeou 75 PPAs de energia solar, envolvendo 2,008 MW médios, ou aproximadamente 10.8 GW de capacidade instalada. A fonte supera consideravelmente os contratos de energia eólica mapeados pela consultoria, que envolvem 2,5 GW de potência.  

Economia para o consumidor  

O consumidor tem forte incentivo financeiro para migrar do mercado regulado para o livre. No mercado regulado, em que o consumidor é atendido pelas utilities e não podem escolher o fornecedor da energia, o preço final da energia, incluindo encargos e remuneração da rede, é de R$ 291/MWh (US$ 58.57). Já no mercado livre, em comparação, preço da energia no curto prazo está no piso de R$ 90 (US$ 18.05)/MWh para energia convencional de longo prazo (quatro anos) e R$ 115/MWh para energia incentivada de longo prazo (de fontes renováveis).  

No último leilão do governo federal, quatro projetos solares, que somam 200 MW, venderam energia a R$ 179 (US$ 36,03)/MWh. No mercado livre, os geradores buscam remunerações acima desse patamar, mas têm que competir com um preço muito baixo da energia no mercado de curto prazo. Para fechar a conta, buscam contratos de longo prazo e modelos financeiramente vantajosos para os consumidores  

“O modelo de autoprodução equiparada vem sendo bastante utilizado para empreendimentos de maior porte. Apesar do cenário desafiador com preço da energia no piso, vemos ainda um volume importante de consumidores que estão fechando contratos. Os contratos que vemos sendo fechados, em geral, são de mais longo prazo, por 10, 15 anos. Com isso o preço pode ser um pouco acima, porque o contrato trava para o consumidor um preço no mais longo prazo”, comenta o diretor da consultoria Greener, Marcio Takata. “No caso de um cliente que assessoramos na due diligence, um dos principais fatores para a decisão do comprador da energia não foi o preço, mas a previsibilidade de longo prazo, são outros atributos entrando na análise. Os preços vão estar no patamar que traga um retorno adequado para os investidores”, ele completa.   

No modelo de autoprodução, quando o consumidor tem a propriedade ou uma participação na sociedade que controla a usina de geração, as empresas são beneficiadas por descontos e isenções de encargos.   

Uma proposta em análise no Congresso, o projeto de lei 414, que amplia ainda o mercado livre, abrangendo todo os consumidores do país, incluindo os residenciais, pode afetar o modelo de autoprodução, que tem impulsionado os projetos de geração solar no mercado livre. A proposta é de estabelecer um consumo mínimo de 30 MW para a autoprodução por equiparação, em que o consumidor participa como sócio no projeto, não precisando instalar a usina no mesmo local de consumo.     

“A gente acredita que esse modelo precisa sim ser aprimorado, porém sem retrocesso. Esse é um grande desafio a ser discutido nos próximos meses, agora que o Congresso está retomando a discussão da modernização do setor elétrico e, a princípio, o projeto de lei 414 é um dos principais que viabilizarão essa modernização”, diz o vice-presidente da Absolar, Ricardo Barros.   

A Elera, que opera o maior complexo solar do Brasil, tem mais cerca de 3 GW de projetos em desenvolvimento, sendo que aproximadamente 1 GW estão prontos para serem construídos. Mas o cenário que viabilizou Janaúba não é mais o mesmo.   

“O cenário mudou, por um lado observamos uma sobreoferta estrutural no mercado de energia e reservatórios cheios, o que tem colocado o preço spot de energia no piso regulatório por mais de um ano e esse nível de preço não viabiliza novos projetos. Por outro lado, apesar do Capex para projetos solares ter se estabilizado, ainda está em patamares elevados e existem gargalos relevantes no fornecimento de diversos equipamentos, como transformadores”, comenta o diretor de Novos Negócios da Elera, Carlos Guerra. Ele acrescenta que as restrições de disponibilidade de transmissão também são uma preocupação. “Nesse cenário, na Elera temos sido muito seletivos na seleção de pipeline, priorizando apenas os projetos mais competitivos, que tenham sinergias de capex e opex, e que tenham flexibilidade para entrar em operação para dar tempo a comercializar a sua energia a preços que viabilizem a sua construção e financiamento”, completa.  

 Transmissão  

O acesso à conexão também é citado como um dos principais desafios para a expansão da geração solar centralizada pelo vice-presidente da Absolar, Ricardo Barros.   

Em junho, o governo federal realizou um leilão para a construção e manutenção de 6.184 quilômetros de linhas de transmissão, com investimentos previstos de R$ 15,7 bilhões. A maior parte dos projetos está localizada entre as regiões do Nordeste e o Sudeste. Outro leilão está previsto para dezembro mais de 3 mil quilômetros em linhas de transmissão e seccionamentos e de 9.840 megawatts (MW) em capacidade de conversão nas subestações. Essa ampliação deve estar disponível em três a seis anos.   

Enquanto isso, cerca de 11 GW de capacidade de escoamento pela rede de transmissão podem ser liberados com a desistência de autorizações de geração e Contratos de Uso do Sistema de Transmissão (CUST). A solução foi necessária após o que ficou conhecida como a “corrida do ouro” dos projetos para garantir descontos tarifários, o que levou empreendedores a “ocupar” a margem do sistema de transmissão com projetos não maduros. Com isso, o número de projetos outorgados pela Aneel atingiu o volume sem precedentes de 131 GW.  

Mesmo após a saída de projetos, a oferta de projetos de geração centralizada continuará significativa, desafiando geradores e comercializadores a criar ofertas atraentes para atender a demanda dos consumidores do país, dos quais, em última análise, dependerá a expansão do segmento.  

Fonte: PV Magazine

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