800 mil consumidores geram energia por fonte solar no país, forma que deve ser ampliada com financiamentos realistas e aprovação de marco regulatório
Os “telhados solares” do Brasil já detêm pouco mais da metade (57%) da potência instalada de uma usina de Itaipu, cuja energia elétrica gerada também abastece o Paraguai.
São 7,3 GW (gigawatts) de potência aferidos neste mês ante os 4,7 gigawatts acumulados em janeiro, alta de 53% no período, segundo levantamento do Portal Solar Franquias, que monitora o setor.
A diferença é que toda esta estrutura não precisou alagar grandes áreas de florestas, remover populações, interferir na biodiversidade e nem comprometer os cofres públicos com gastos bilionários.
No contexto global, a fonte solar ganhou as mesas de negociação da COP 26, a Conferência do Clima realizada em Glasgow, na Escócia, como uma das soluções para diversificar a matriz energética e reduzir a emissão de gases do efeito estufa das principais economias do planeta nas próximas décadas.
A energia solar responde por apenas 2% da matriz energética do Brasil, que ocupa a 14ª posição neste mercado, apesar de possuir uma das melhores irradiações ao longo do ano inteiro —de norte a sul.
“Mas a tendência é que o país suba para o sexto lugar nos próximos dois anos a partir dos investimentos previstos e com mais gente se interessando por esse tipo de geração limpa e sustentável”, afirma o engenheiro eletricista Guilherme Suteras, coordenador da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica).
Dados da associação do setor mostram que apenas 0,9% dos 88 milhões de consumidores de energia elétrica no país fazem uso do sol para produzir energia. O tamanho do “Golias” vem diminuindo com o ritmo acelerado das instalações de painéis solares, serviço hoje executado por cerca de 17 mil empresas.
A mesma Absolar diz que, até outubro deste ano, o país contava com 800 mil unidades consumidoras de energia com geração própria a partir da fonte solar, um incremento de 450 mil instalações em relação a todo 2020.
Esse apetite, segundo especialistas do segmento, resulta da evolução da tecnologia, que hoje está mais barata e acessível ao consumidor final; do estabelecimento de uma cadeia produtiva nacional, para a montagem e instalação dos equipamentos; e do preço elevado da conta de luz cobrada pelas concessionárias.
Segundo o IPCA-15 (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), do IBGE, o preço da energia elétrica acumula alta de 24,97% em 2021. Todo esse aumento está diretamente relacionado ao fato de o país enfrentar a pior crise hídrica dos últimos 91 anos contra os reservatórios das hidrelétricas.
Com as turbinas operando aquém do necessário, o governo Bolsonaro (sem partido) criou uma tarifa excepcional para arcar com as operações das termelétricas (mais custosas e poluentes) para o sistema não entrar em colapso. E a maior parte dessa conta fica com o consumidor, que tem buscado na energia solar uma forma alternativa e segura na hora de investir.
A crise hídrica foi o gatilho para Silvio Inada, 55, deixar de usar a energia distribuída via concessionária para gerar a própria, por meio de 25 painéis fotovoltaicos instalados em outubro deste ano sobre o telhado de sua loja, que revende roupas infantis, na zona norte da cidade de São Paulo.
“A gente não sabe até aonde vai essa crise hídrica e os aumentos sucessivos da tarifa. Não queria mais ficar refém disso”, diz.
Sem revelar o investimento feito, Inada diz que a conta de energia de seu comércio já apresentou redução de 50%. E para compensar o aporte, vai usar o excedente de energia gerado no abate do consumo de sua residência, algo possível segundo a legislação.
Vanessa Calvano, 35, gerente comercial e moradora do Rio de Janeiro, também pesquisou e viu vantagem ao aderir à energia solar, em abril deste ano. “Eu já não aguentava mais pagar uma conta da concessionária que não para de crescer. Morava num apartamento e a luz atingia R$ 700 em alguns meses. Eu sabia que, ao me mudar para uma casa, o preço seria ainda maior”, diz ela.
Calvano instalou 24 placas fotovoltaicas por R$ 45 mil –o valor inclui o projeto e a mão de obra contratada. Toda a estrutura pode gerar energia para um consumo de até R$ 1.200 por mês, o suficiente para atender os seis moradores e mais duas funcionárias que trabalham na residência dela em horário comercial.
Sem ter os R$ 45 mil em suas reservas, ela optou por financiar o valor em 24 parcelas de R$ 2 mil. “O preço assusta no início, mas compensa: fico livre de apagões e depois de quitar tudo só vou pagar a taxa mínima”, afirma.
Apesar de não mais depender da concessionária Light, a responsável pela distribuição de energia no Rio, a gerente comercial continua pagando a taxa de iluminação pública, os impostos (ICMS, PIS e Cofins) e um valor estabelecido para consumo mínimo, que varia conforme o tipo da rede: 30 kWh (quilowatts-hora), para monofásica; 50 kWh (quilowatts-hora), para bifásica; e 100 kWh (quilowatts-hora), para trifásica.
Essa regra consta em normativa da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e vale para todo o país.
Diferentemente de Inada, Calvano vai usar seu excedente de energia para espantar o calor. “O verão já vem aí e será quando a minha família vai poder ligar todos os aparelhos de ar-condicionado sem culpa”, afirma ela, que monitora a produção e o consumo em tempo real por meio de um aplicativo.
A carioca estima que o retorno do aporte será absorvido nos próximos dois anos. “Os equipamentos podem funcionar por até 25 anos”, afirma.
Boom na pandemia
A quarentena imposta pela pandemia de Covid-19 transformou as casas dos brasileiros também em locais adaptados para o trabalho. O home office elevou os gastos com energia e, ao mesmo tempo, foi outro chamariz para o aumento das instalações de painéis solares no período no país.
Segundo mapeamento da Greener, empresa baseada em São Paulo que pesquisa o setor, 50% das instalações de painéis solares foram feitas nos telhados das residências no primeiro semestre deste ano.PUBLICIDADE
Em 2020, o segmento residencial obteve a maior fatia do mercado, com 39% de participação, e ficou à frente do comércio (37%), muito afetado com a descontinuidade dos negócios na crise sanitária.
Márcio Takata, CEO da Greener, fez uma simulação que mostra que o preço mais acessível do serviço (aquisição do equipamento e a instalação) vem sendo o responsável por atrair novos consumidores.
Segundo Takata, um sistema de 4kWp (quilowatt pico), o mais utilizado nas residências, custava cerca de R$ 35 mil para o consumidor final em junho de 2016. Em junho deste ano, o mesmo kit fotovoltaico, era comercializado por R$ 19 mil, um recuo de 44% em cinco anos. “Quanto menor o valor, menor também será o tempo de payback [retorno do investimento]”, diz.
Fique atento!
Os interessados em gerar a própria energia elétrica pela via solar precisam se ater a algumas situações. “O sistema é modular e flexível em função do consumo do cliente, tamanho do telhado e da capacidade de investimento”, explica Takata, CEO da Greener.
O primeiro passo é verificar se o telhado de sua casa suporta o peso adicional das placas solares, diz Guilherme Suteras, da Absolar. E se há espaço para os equipamentos. “Caixas d’água, por exemplo, podem diminuir a área útil para a instalação”, diz.
Também é preciso ficar atento se o local onde você mora possui muita sombra em volta, sobretudo, a gerada por prédios. “Isso pode diminuir a performance dos painéis solares”, afirma.
Quem aluga uma casa e deseja optar pela instalação, deve negociar com o proprietário do imóvel o abatimento do investimento nas parcelas do aluguel. E esperar a vistoria da concessionária de energia de sua região para aprovar o novo sistema. “Aqui, na minha empresa, levou três meses”, diz o empresário Silvio Inada, de São Paulo.
Vanessa Calvano, do Rio, aconselha “pesquisar muito as empresas e as linhas de financiamento disponíveis”.
Segundo a Greener, 54% dos investimentos recentes em instalação de painéis e geração de energia solar no país foram feitos por financiamento. Micro e pequenos consumidores respondem por 74% das tomadas de crédito na aquisição do sistema.
“O financiamento é o principal canal de acesso dos brasileiros à energia solar. As linhas de crédito precisam estar mais familiarizadas com a realidade para inserir mais gente de todas as condições econômicas”, afirma o CEO da Greener.
Não tenho telhado, mas quero energia solar
Nem só de telhado vivem os consumidores de energia por fonte solar. Mesmo sem um teto próprio para fazer a geração acontecer, é possível contratar o serviço de forma remota.
Nesse segmento, empresas criam as chamadas “fazendas solares” e produzem a energia que é conectada diretamente nas linhas de transmissão das concessionárias.
O consumidor só consegue contratar o serviço remoto das companhias que atuam em parceria com a concessionária da região onde ele mora. Algumas empresas fornecem essa possibilidade por meio de assinatura. É o caso da Sun Mobi, do interior de São Paulo.
Alexandre Bueno, um dos sócios da empresa, diz que os clientes não têm um contrato amarrado, mas uma mensalidade que é estipulada de forma individualizada a partir do consumo de energia do interessado.
“Quem opta pelo nosso serviço, também não paga a bandeira tarifária da concessionária, por exemplo”. Técnicos da empresa fazem vistorias nos estabelecimentos dos assinantes para evitar possíveis desperdícios e emitem relatórios sobre boas práticas a serem realizadas para tornar o consumo mais eficiente.
Os clientes do remoto também pagam a tarifa mínima das concessionárias. A Sun Mobi atua em 27 cidades paulistas, entre elas, Jundiaí, Santos e Sorocaba.
Fonte: Infomoney
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