Cooperativas de geração e fazendas solares, assim como pessoas físicas, estão aderindo, de forma crescente, ao uso da energia solar na modalidade de Geração Distribuída (GD)
Sufocados pelo alto custo da energia elétrica pago às concessionárias, cooperativas de geração e fazendas solares, assim como pessoas físicas, estão aderindo, de forma crescente, ao uso da energia solar na modalidade de Geração Distribuída (GD), que tem incentivos estabelecidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Esses incentivos, entretanto, estão sendo revistos pela Aneel e podem ser alterados, prejudicando o crescimento exponencial do setor em busca de uma produção sustentável e limpa do insumo.
A Aneel autorizou o uso da energia solar em 2015, três anos após a primeira resolução sobre GD – que acabou permitindo que surgissem as chamadas “fazendas solares” e cooperativas de geração de energia solar.
Nesse tipo de empreendimento, uma empresa monta um sistema de geração de energia solar com uma quantidade significativa de placas solares. Depois, faz uma espécie de aluguel de partes do sistema para o consumidor final. Portanto, a GD não está relacionada apenas ao consumidor residencial, que tem painéis solares no telhado da residência. Empresas que não são diretamente consumidoras de energia fotovoltaica também se beneficiam do subsídio.
Nesse caso, não se trata de consumidores comerciais ou industriais que instalam sistemas de energia solar para diminuir a conta de luz. As unidades beneficiadas são as que estão incluídas na modalidade de autoconsumo remoto, que permite que o consumidor use energia produzida em outro local como modalidade de GD. A única condição é de que os dois lugares estejam na mesma área de concessão.
Nesse tipo de empreendimento, uma empresa monta um sistema de geração de energia solar com uma quantidade significativa de placas solares. Depois, faz uma espécie de aluguel de partes do sistema para o consumidor final.
Pioneirismo em Paragominas
Ao ser reconhecido pelo governo federal como um dos primeiros “municípios verdes” da Amazônia, revertendo um histórico de liderança nacional em depredação ambiental devido à exploração descontrolada das florestas, Paragominas, no Pará, foi a primeira experiência na região amazônica da Coober (Cooperativa Brasileira de Energia Renovável).
Contando com a participação de 23 membros (empresários, empreendedores e profissionais liberais), chamados de sócios-fundadores, o projeto atraiu também simpatizantes em diversos os setores e até do exterior, como a Confederação Alemã das Cooperativas (DGRV).
Finalista de um prêmio internacional A cooperativa foi a única representante da região Norte no grupo convidado pela iniciativa da União Europeia LCBA na Feira Pollutec, evento que ocorre em Lyon, na França, há mais de 34 anos.
A Pollutec facilita o encontro de profissionais com soluções inovadoras e novos temas ambientais. São mais de 2.500 expositores e 400 conferências e shows com atualizações sobre as últimas noticias da indústria ambiental.
Segundo informações do advogado Raphael Sampaio Vale, presidente da Coober, a fundação ocorreu pautada na Resolução 687/2015 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que aprimorou a Resolução Normativa 482, de 2012, incentivando a geração compartilhada de energia renovável.
“Se fôssemos produtores individuais, iríamos necessitar de muito mais investimentos e ter maior trabalho, além de precisar lidar com diversas questões burocráticas e tributárias. Na Coober, são 23 pessoas que produzirão e consumirão a própria energia gerada, transformando cada uma em “prosumidor” (expressão utilizada para denominar as pessoas que produzem e consomem seus produtos)”, afirma Raphael.
“Todos nós estamos sendo consultados por pessoas de outras partes do País, que perguntam o motivo pelo qual nos lançamos nessa empreitada. A resposta é simples: queremos gerar a própria energia elétrica que consumimos”, enfatiza Raphael Vale.
“Nosso maior desafio é o pioneirismo da união de dois universos no Brasil: o cooperativismo e a produção de energia renovável. Nossa influência tem sido as usinas de energia renovável de outros países, em especial da Alemanha, que possui mais de 700 cooperativas de energia instaladas”, afirma ele.
Projeto modelo e potencial multiplicador
A Coober de Paragominas foi constituída em fevereiro de 2016, a partir da iniciativa de 22 cooperados, entre advogados, biólogos, engenheiros agrônomos, eletricistas e outros profissionais de áreas afins. “O foco principal é produzir a nossa própria energia de forma mais limpa e segura. A energia consumida em Paragominas, para chegar da usina hidrelétrica de Tucuruí, gasta aproximadamente 800 km de linhas de transmissão, entre alta, media e baixa tensão. Para o mundo novo, não é racional ter uma produção tão longe do consumidor. Vamos deixar de ser consumidores e passar a ser “prossumidores”, ou seja, consumidores e produtores”, afirma Raphael.
O espaço físico da microusina tem capacidade de 75 KWp. São 288 placas fotovoltaicas que possuem capacidade de produção média de 11.550 KW/H por mês. Até entrar em operação, o projeto representou investimentos da ordem de R$ 600 mil, bancados totalmente com recursos próprios dos cooperados. Toda energia produzida pela usina é injetada no sistema da rede da Equatorial Energia. O resultado é rateado entre os cooperados e descontado diretamente na conta de energia da unidade consumidora de cada um, independentemente de sua localização. Estima-se que metade do quadro social da Coober tenha a conta completamente zerada, dependendo do nível de consumo individual.
As metas da cooperativa visam ampliar a geração para um grupo maior de pessoas. De acordo com Raphael, o número de cooperados será ampliado e vede dobrar de 300 ou até 600, dependendo da expansão da capacidade de produção. Pela legislação, o teto que cada concessionária pode atingir é 5MW de potência. Hoje, a Coober produz 7,5% de 1MW. “Por Mega instalado, conseguimos atender até 300 pessoas. Iniciamos a fase pós-inauguração e injeção de rede para entendermos a tratativa por concessionária, compreendendo o fluxo entre a Coober, a Equatorial Energia e os cooperados de contratação. Posteriormente, implantaremos um plano de negócio para ampliar a cooperativa e abrir para novos cooperados”, completa Raphael.
De acordo com a Agência Internacional da Energia (AIE) o combustível e as tecnologias de baixo carbono, principalmente renováveis, representarão 80% do crescimento da oferta no setor energético nos próximos 25 anos. “A Coober é um passo concreto em um caminho que não tem volta. A matriz de produção mundial será renovável. Hoje, ainda depende de combustíveis fósseis, e outras alternativas não sustentáveis. No Brasil, a produção energética está baseada em grandes hidrelétricas que geram grandes impactos sociais e ambientais. Em poucos anos, o Brasil terá centenas de cooperativas de energia renovável espalhadas de norte a sul produzindo energia elétrica de forma compartilhada e distribuindo entre seus cooperados, gastando muito menos sem transmissão, afetando muito menos o ambiente com uma forma econômica mais viável e acessível. Esse é um momento histórico. É uma grande transformação”, declarou o Presidente do Sistema OCB-PA, Ernandes Raiol.
Possíveis mudanças
O deputado federal Joaquim Passarinho (PSD-PA), membro da Comissão de Minas Energia, é hoje o maior conhecedor do tema na bancada paraense, disse à reportagem do Blog do Zé Dudu que é prudente e sensato separar as coisas nessa discussão de alterações proposta pela Aneel.
Passarinho, ao analisar a legislação que estabelece o teto que cada concessionária pode atingir é 5MW de potência, afirma que “esse teto não pode ser taxado pela produção que ingressa no sistema. Acima disse é possível estabelecer uma tabela e não os 60% que a Aneel está propondo”.
Outro fator que o deputado destaca é a transmissão. “Vamos supor que uma fazenda solar produz energia em Paragominas, por exemplo, para entregar a ao consumidor de Marabá. Aí a coisa muda de figura, porque a empresa produtora vai utilizar a rede de transmissão que alguém pagou para construir e manter. Nesse caso, é justo que temos que discutir uma taxa pelo uso da rede de transmissão”, ilustrou.
“Entretanto, serei contra qualquer modificação nas normas que possa inibir o crescimento da utilização e universalização da energia solar. Haverá um avanço tecnológico substancial em relação aos acumuladores atuais [baterias] e, dessa forma, com melhores acumuladores, o usuário que gera a própria energia sequer entrará no sistema para suprir a sua necessidade, o que hoje não ocorre, porque à noite, o usuário, se não tiver um enorme e caro banco de baterias, é obrigado a usar a energia da concessionário durante o período noturno”, explicou o deputado Joaquim Passarinho. O parlamentar refere-se a uma contradição hoje na legislação.
Aneel quer mudar as regras
O modelo, porém, gera críticas justamente por conta de o crédito incluir os custos de transmissão e distribuição. Joisa Dutra, diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura (Ceri) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) praticamente repetiu o que disse o deputado Joaquim Passarinho.
“Vou dar um exemplo: se você está em Belo Horizonte e compra uma cota de uma fazenda solar no Norte de Minas Gerais, você está usando bastante a rede de distribuição. Isso vai fazer com que aqueles consumidores que não geram a sua própria energia, ou que não são sócios, acabem suportando esse custo”, explicou.
O argumento de que os outros consumidores estão sendo onerados é, inclusive, um dos motivos citados pela Aneel para mudar as regras de GD. A proposta da agência inclui a cobrança de 60% da tarifa de luz nos créditos, dando como benefício, somente, a parcela referente à energia. A cobrança seria implementada de forma escalonada, até 2031. Os primeiros a arcar com os custos seriam, justamente, os consumidores de GD remota.
Por outro lado, as empresas do ramo sustentam que as fazendas solares já pagam para fazer a conexão à rede, como se fossem consumidores.
“Isso representa um custo de aproximadamente R$ 60/MWh, ou cerca de 12% da tarifa do consumidor que receberá essa energia. Portanto, se há uma modalidade de GD que efetivamente paga pelo uso da rede são as fazendas solares”, afirma Guilherme Susteras, coordenador do grupo técnico da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).
Mercado cativo
Outro questionamento em relação ao modelo é de que, na prática, ele acaba desvirtuando o sistema de mercado cativo. Isso porque a regulamentação do setor elétrico brasileiro não permite, hoje, que consumidores residenciais (de baixa tensão) escolham de quem comprar energia.
Isso é autorizado, somente, para os consumidores que precisam de fornecimento superior a 3.000 kW. O Ministério de Minas e Energia (MME) decidiu, em dezembro, ampliar a abertura do mercado livre – mas, ainda assim, não há data para que consumidores residenciais possam participar desse sistema.
“Cabe avaliar em que medida o regulamento vigente não traveste de GD o exercício de uma comercialização direta por consumidor de baixa tensão – o que violaria regramento vigente de requisitos para a contratação de energia”, ressalta a contribuição do Ceri, da FGV, à consulta pública da Aneel para a revisão das normas de GD.
A Absolar, por outro lado, defende que essa modalidade de GD elimina barreiras ao consumidor, democratizando o acesso à energia limpa.
“Importante notar que a tendência global dos community solar reconhece o valor criado à sociedade quando você junta um grupo de pessoas ou empresas para implantar uma usina com ganhos de escala e projeto otimizado. Além disso, trata-se de uma forma de distribuir renda, ao se criar empreendimentos em áreas rurais e engajar a comunidade local em atividades de alto valor agregado”, afirma o coordenador do grupo técnico da empresa.
Vale salientar que a resolução da Aneel permite a existência de fazendas solares – ou seja, os empreendimentos em funcionamento respeitam a regulamentação vigente.
Fonte: Easycoop
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