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Debate sobre energia solar sofre com escuridão intelectual, critica Rodrigo Pinto

Aneel adota uma narrativa distorcida Mais sensato é manter a legislação

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Aneel adota uma narrativa distorcida
Mais sensato é manter a legislação

Rodrigo Pinto, 41 anos, é economista com PhD pela Universidade de Chicago e professor pela UCLA, Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Tem dezenas de trabalhos acadêmicos nas áreas de avaliação de políticas públicas e econometria. Em 2018, sua pesquisa foi considerada dentre as 12 mais influentes do mundo.

A proposta da Aneel de criar um novo imposto sobre a utilização de painéis solares tem fomentado um aquecido debate na sociedade brasileira. Infelizmente, a temperatura das discussões gera muita fumaça, mas pouca luz.

Desde 2012, os brasileiros que instalam painéis solares nos telhados de suas residências podem trocar energia com a rede elétrica, ou seja, injetam o excedente de eletricidade produzido e compensam o consumo de energia do sistema (noturno e de dias nublados). Por esse serviço, as famílias brasileiras pagam uma taxa de utilização da rede (taxa de disponibilidade), que corresponde a cerca de 22% do valor da tarifa.

Essa modalidade de produção chama-se Geração Distribuída (GD) e é local. A energia gerada por uma casa é consumida pelos vizinhos mais próximos, deixando de trafegar por centenas de quilômetros de fios. Isso evita perdas energéticas, que são da ordem de 16% e constituem o 3º maior consumidor de eletricidade do país, à frente de todo o setor comercial brasileiro.

Além disso, a GD oferece energia durante o pico de demanda, aliviando a carga do sistema e aumentando a segurança energética, pois a possibilidade de falha sistêmica é nula. Um estudo da complementaridade da geração de energia entre as fontes solar e hidráulica, da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná), indica que a GD ajuda, inclusive, a resolver problema com apagões, especialmente na seca em que se atinge produção de energia solar máxima.

Outra vantagem é a redução do custo médio. A produção solar inserida na rede substitui a energia mais cara do portfólio das distribuidoras, que é gerada por termelétricas e custa até cinco vezes mais que outras fontes. Somente em novembro passado, a GD promoveu uma economia de R$ 66 milhões ao sistema elétrico brasileiro a ser repassada aos demais consumidores.

A substituição de energia cara e poluidora das termelétricas, que muitas vezes funcionam com gás importado da Bolívia, por uma energia limpa e renovável que explora a abundância de raios solares, 100% brasileiros, é outro grande benefício. A ele se somam a grandes resultados socioeconômicos, como a criação de mais de 100 mil empregos diretos no país.

A experiência internacional de incentivo à adoção de energia solar difere bastante da brasileira. Na Califórnia, onde 13% da matriz energética é solar e se produz 60 vezes mais energia solar por habitante do que no Brasil, o Estado oferece grandes incentivos à GD. Em Los Angeles, o governo paga 30% do custo de instalação de painéis solares e garante o direito de trocar energia com a rede a uma razão de 1 para 1 por 20 anos. Em contraposição, no Brasil, a GD contribui com menos de 1% do consumo total de energia elétrica e a Aneel quer instituir imposto sobre trocas energéticas de 62%, inviabilizando economicamente a instalação de painéis solares.

O estudo da Aneel (AIR-2019) sugere que o payback de sistema solares aumentaria, em média, de 7 para 9 anos com o imposto. No entanto, a agência usa a taxa de poupança (4% ao ano) para calcular o retorno do investimento. Se adotasse taxa de juros do mercado de crédito (1,1% ao mês), o payback aumentaria para mais de 21 anos, prazo acima da vida útil dos painéis.

A Aneel adota uma narrativa distorcida, na qual produtores solares estariam prejudicando o país e explorando os demais brasileiros. A defesa do imposto, no entanto, é baseada em estudos que contemplam primordialmente a redução de receita das distribuidoras e desconsideram os benefícios ambientais da GD, com premissas altamente questionáveis.

O cálculo do Ministério da Economia, por sua vez, assume que a GD substitui a energia solar centralizada, em vez da energia produzida por termelétricas, fonte poluidora e muito mais cara. Corrigida esta premissa de cálculo, o impacto da GD torna-se positivo. Utilizando a própria metodologia do ME, podemos mostrar que a GD gerará lucro de quase R$ 2 bilhões para a sociedade em 15 anos ou R$ 38 bilhões, se considerar ainda os benefícios socioambientais.

A Aneel admite que suas previsões contêm grande incertezas e fragilidades. Em dezembro, na audiência pública da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, a agência afirmou que seus modelos não têm “infalibilidade”. A ideia procede e, em um ambiente de incertezas, a política pública mais sensata seria a de exercer cautela. Porém, a Aneel adota a conduta oposta: sugere o maior imposto sobre trocas energéticas do planeta, inviabilizando a geração solar no Brasil, apesar de todos os benefícios e das referências internacionais. E, assim, retira do brasileiro a alternativa de poder produzir sua própria energia e economizar em seu orçamento.

A proposta é duramente criticada pela população, pela Câmara e pelo Senado. Até o momento, 303 dos deputados (59%) e 41 dos senadores (51%) assinaram uma declaração de repúdio à proposta e apoio à manutenção do sistema vigente até atingir a taxa mínima de inserção. Além das posições públicas do presidente da república, Jair Bolsonaro, e dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, contra a taxação.

As investidas da Aneel contra a GD são particularmente desconcertantes, comparado ao mínimo impacto na demanda de energia elétrica. Em 2018, por exemplo, o consumo de energia elétrica cresceu 4,65%, mas o impacto da geração distribuída foi de apenas 0,54%. Neste ano, os consumidores brasileiros terão de pagar R$ 20,105 bilhões de subsídios ao setor elétrico, o que elevará a tarifa em 2,4%. Quase metade deste está relacionado ao aumento do preço de combustíveis fósseis. Nenhum dos programas subsidiados se aplica à GD.

A estranheza se confirma com o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) para 2029, que prevê aumento de 45% na demanda por energia, exigindo investimentos, como os R$ 103 bilhões somente em linhas de transmissão. O documento prevê aumento da participação das termelétricas dos atuais 14% para 18% da matriz energética do país, enquanto a fatia de energia solar será de 5% da potência instalada, com uma taxa de inserção de apenas 2,5% na rede. Entretanto, se mantida a atual legislação, a taxa de inserção ficaria em 7% e, ainda assim, manteria um patamar de garantia dos benefícios da GD para o sistema elétrico nacional. Portanto, o ímpeto de frear a GD não faz sentido nesse momento.

Entre o chamado “imposto solar” ou adotar uma posição de cautela, o mais sensato é manter a legislação atual e colher os benefícios socioeconômicos e ambientais da GD. A ênfase da Aneel em promover ações que eliminam a GD não tem fundamento econômico ou técnico. No entanto, pode ser compreendida como um exemplo clássico de Crony Capitalism (capitalismo de influências), no qual o lobby de distribuidoras usa o governo para eliminar sua concorrência.

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