[adrotate group="1"]

Quando a autonomia de uma agência reguladora age contra a população

As agências reguladoras no Brasil são autônomas. Um dos propósitos dessa característica é blindar o uso indevido do poder de regulação para ganhos políticos. O sistema elétrico brasileiro é regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e sua autonomia previne que governantes reduzam a tarifa energética em anos eleitorais e voltem atrás após a eleição, como aconteceu no governo de Dilma Rousseff.

Compartilhe:

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no whatsapp
Compartilhar no email
Compartilhar no telegram

Rodrigo Pinto, 41 anos, é economista com PhD pela Universidade de Chicago e professor pela UCLA, Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Tem dezenas de trabalhos acadêmicos nas áreas de avaliação de políticas públicas e econometria. Em 2018, sua pesquisa foi considerada dentre as 12 mais influentes do mundo.

Foto Google

As agências reguladoras no Brasil são autônomas. Um dos propósitos dessa característica é blindar o uso indevido do poder de regulação para ganhos políticos. O sistema elétrico brasileiro é regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e sua autonomia previne que governantes reduzam a tarifa energética em anos eleitorais e voltem atrás após a eleição, como aconteceu no governo de Dilma Rousseff.

A autonomia visa proteger a população do uso indevido da tarifa elétrica para fins populistas, tais como a manipulação tarifária durante períodos eleitorais. Todavia, essa independência também pode ser usada contra a população. Foi o que promoveu a Aneel ao anunciar taxação de mais de 60% sobre o setor de energia solar. Se implementada, a medida inviabiliza a Geração Distribuída (GD) nos telhados das famílias brasileiras.

Trata-se de um exemplo clássico do capitalismo de influências (Crony Capitalism), no qual o poder regulatório age contra a população e, neste caso, em prol do lobby das concessionárias de energia.

Desde 2012, o brasileiro pode produzir energia em sua própria casa. O excedente produzido durante o dia, período de pico do consumo, é injetado na rede de distribuição e consumido à noite. O produtor já paga uma taxa de utilização da rede com valor em torno de 20% da tarifa de energia que ele produz.

O processo promove uma simbiose energética entre o produtor e o sistema elétrico, já que o excedente é utilizado pelo vizinho mais próximo. A energia deixa de trafegar por centenas de quilômetros de fios para chegar ao consumidor final. A Geração Distribuída reduz o custo da energia produzida no Brasil e torna o sistema energético mais eficiente. Apenas no mês de novembro de 2019, a redução de custos foi da ordem de R$ 60 milhões.

A Geração Distribuída também barateia o custo da energia produzida no país. Hoje, 60% da matriz energética nacional é produzida por hidrelétricas, considerada uma energia barata. No entanto, um quarto do total do sistema elétrico vem de termelétricas, em média três vezes mais cara, extremamente poluidora e, em parte, gerada com gás boliviano.

Com a GD, as concessionárias deixam de comprar energia das termelétricas. Esta troca traz grandes vantagens ambientais – o que já constitui motivo suficiente para o incentivo à utilização desta fonte. A energia solar em geração distribuída também torna as comunidades locais mais resistentes a quedas de energia e previnem apagões, pois reduzem a utilização dos reservatórios das hidrelétricas em tempos de estiagem. No mais, os raios de sol são 100% brasileiros.

Com os inúmeros benefícios da energia solar, não causa espanto que diversos países, como os Estados Unidos, ofereçam incentivos para instalação de painéis solares. Usando o recorte da Califórnia como exemplo, a energia solar corresponde a 13% da matriz energética do estado. Em termos per capita, apenas esse estado norte americano gera 60 vezes mais energia solar por habitante do que todo o Brasil.

Em Los Angeles, maior cidade do estado, o governo subsidia 30% da instalação de painéis voltaicos e, mais importante, após a instalação, a família tem o direito de trocar energia com a rede sem custos por um período de 20 anos.

Na contramão de países desenvolvidos, a Aneel propõe uma taxação dez vezes maior que o cobrado por outras nações. O imposto eleva de oito para 20 anos o tempo de retorno do investimento nos painéis fotovoltaicos o que, efetivamente, elimina a possibilidade do cidadão comum produzir energia por meio do sol brasileiro. A medida inviabiliza a utilização de um recurso abundante no país.

Outro escopo da autonomia da Aneel seria o fomento de segurança jurídica ao proporcionar um arcabouço regulatório estável. Com a Resolução 482, a agência, mais uma vez, trafega no sentido contrário, causa instabilidade normativa e gera grande prejuízo à indústria solar brasileira.

A melhoria do ambiente de negócios é determinante para a tomada de decisão do cidadão que pretende investir e gerar energia limpa, e renovável. Um novo tributo inibe a instalação dos painéis e põe em risco os mais de 100 mil empregos diretos gerados pela GD.

Os únicos beneficiados com a taxação são as distribuidoras que são imunes as instabilidades jurídicas e que utilizam o novo imposto para eliminar a concorrência da produção local de energia solar.

Já a lista de quem perde com o fim da GD é extensa. Perde a rede elétrica que necessita de mais investimentos em infraestrutura. Perde o sistema elétrico que continua refém da energia cara das termelétricas. Além deles, perde o país, pois aumenta a dependência da energia gerada por combustíveis fósseis e perdem as famílias que deixam de ter a opção de gerar energia solar.

O brasileiro torna-se um consumidor cativo sem a possibilidade de usar outras fontes de energia a não ser aquela imposta pelo sistema elétrico brasileiro.

Felizmente, o processo democrático é composto de pesos e contrapesos. O abuso do poder de autonomia da Aneel tem sido atacado por diferentes esferas da sociedade. O Tribunal de Contas da União tem investigado a legalidade das regulações, procedimentos e o mérito das decisões impostas pela agência que regula o setor elétrico. Um quinto de todos os processos do TCU relativos às agências reguladoras dizem respeito à conduta da Aneel.

Recentemente, a Câmara dos Deputados protocolou um requerimento para a criação da CPI da Aneel para investigar as controversas decisões do órgão. O requerimento já conta com a assinatura de mais de 200 parlamentares.

Além disso, 303 deputados e 41 senadores assinaram uma carta de repúdio à proposta da agência onde defendem a vigência do atual sistema tarifário até que a taxa de inserção de energia solar na rede alcance um patamar mínimo de 5% da matriz energética do país. No Brasil, a produção solar é incipiente. Menos de 1% da matriz energética brasileira tem origem solar.

O caso da Aneel é útil no processo de amadurecimento dos órgãos reguladores. O imposto defendido pela Aneel foi duramente criticado pelos poderes Executivo, Legislativo e por diferentes setores da sociedade. Esta reação estabelece uma mensagem clara às agências reguladoras: a sociedade não admite que o poder de autonomia seja usado contra os anseios da nação.

Compartilhe!