Crise energética, apagão ou racionamento, falta do planejamento do MME

Compartilhe:

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no whatsapp
Compartilhar no email
Compartilhar no telegram

As preces a São Pedro e a Santa Bárbara parecem que foram atendidas parcialmente. Choveu e ventou por algum tempo. Só que os ventos estão longe das pás eólicas e as chuvas a centenas de quilômetros das UHE’s e dos reservatórios do setor. Pelo menos. o tempo esfriou nas grandes cidades, necessitando de menos energia. Parece que são recados claros do divino as autoridades que sofismam em negar a gravidade dos fatos e postergam as ações que já deveriam ser adotadas.

Existem dois ambientes de negociação de energia: ACR, mercado regulado e ACL, mercado livre. O consumidor livre compra energia diretamente dos geradores ou comercializadores, através de contratos bilaterais, com condições livremente negociadas, como preço, prazo, volume, etc… O consumidor cativo é aquele que compra a energia das concessionárias de distribuição às quais estão ligados.

Agora, com a crise energética na antessala, o regulador pressionado pelo governo, através de poderes via Medida Provisória, chama de novo o consumidor cativo a pagar a conta majorada de 52% de adicional na banda vermelha nível II (R$ 6,42 para R$ 9,49) e com a promessa de no mínimo, mais 25% (R$ 11,50). Enquanto isso, o MME incentiva cada vez mais os consumidores livres, que foram e são os maiores beneficiários do modelo errado e dessa atual crise sanitária e energética dentro de uma jogatina financeira que virou o mercado horário de energia elétrica no Brasil. Tanto é verdade, que grandes bancos criaram mesas de negócios de energia e uma grande consultoria, que esteve no governo e ainda mantêm relações com o MME, foi comprada por um conhecido banco de investimentos.

O problema surgiu lá atrás, quando o governo segmentou os mercados, sem definir qual o modelo econômico consistente que existia para validar esta estruturação e quem teria o ônus e o bônus das escolhas. Criaram-se dois mercados – um cativo e o outro livre, sendo que o consumidor livre era inicialmente restrito aos grandes consumidores de energia atendidos em nível de tensão de transmissão e sub-transmissão >= 138 KV. Em sequência foram reduzindo as exigibilidades e hoje existem poucas restrições que derivam do tamanho das cargas de energias consumidas.

Com essa progressão o mercado livre já responde por 35% do mercado total e com benesses injustificáveis. Pela segregação o mercado cativo depende de leilões competitivos, há 15 anos realizados pelo regulador (ANEEL-CCEE-EPE-MME) e assim ele pagará um preço idêntico ao custo marginal de longo prazo (P=CMLP) sem nenhum benefício de curto prazo, mas garantido o seu consumo e preço. A criação do mercado livre leva esse consumidor a pagar o custo marginal de curto prazo (P=CMCP), apropriando das situações de excesso (+) ou escassez (-) de oferta de energia elétrica.

A incerteza ou risco do modelo vem erradamente dos níveis dos reservatórios que armazenam água e funciona como “pilhas virtuais”, energia armazenada para o sistema, apesar de variadas e novas fontes de energia renováveis a ser planejadas, projetadas e construídas. Para tanto, é necessário que os reguladores de mercado operem baseado em princípios da teoria econômica e definam bem as variáveis de forma que o fornecimento certo de longo prazo seja a meta a ser alcançada.

Entretanto, não é o que ocorre. Na situação de escassez, um dos instrumentos legais para sua correição são as bandeiras tarifárias, que abrangem somente o mercado cativo, fazendo com que os clientes do mercado livre passem de forma ilesa e assim agravem a crise energética. A situação agora, real e legal é outra e levou o operador a privilegiar o consumo de curto prazo, no passado recente, com preços irrisórios e assim beneficiou o consumidor livre, esvaziando os reservatórios de forma preocupante e acima dos limites sem risco, levando o sistema para uma crise de suprimento de energia (PLD=R$ 60,00 e reservatórios vazios).

Até agora são considerados possíveis apagões. Mas, a continuar com estes instrumentos e as medidas atuais, poderemos ter uma crise agravada com racionamentos e desligamentos de cargas de forma emergencial. O maior exemplo da falta de controle consta no relatório recente de consumo do ONS, números acumulados até maio, onde o setor industrial exportador apresenta crescimento significativo, de mais de 12% no ano, graças ao câmbio desvalorizado e preço das “commodities” em alta.

A área econômica, em vez de analisar e pedir justificativas porque se chegou a essa situação não prevista, vai participar de um comitê administrado pelo atual gestor que provocou a crise, dizendo que todas as medidas antecedentes foram tomadas. O MME estava focado em outra atividade: a capitalização e perda de controle da Eletrobrás. Agora, propõe uma MP com objetivos obscuros e sem querer assumir a culpa dos seus erros. Afirmou ser um dos piores períodos de seca e não a pior que anunciava semanas atrás e que já foi demonstrado pelos dados do ONS.

Papéis trocados – O consumidor livre deveria cobrir exclusivamente o ônus da escassez até que os reservatórios atingissem patamar mínimo livre do risco da seca, mas devido à falha de conceitos este é totalmente transferido aos consumidores cativos. O PLD deveria seguir os Custos Marginais de Operação sinalizando a real situação de suprimento do mercado. Os consumidores livres e todos os ofertantes de energia deveriam estar expostos a esses parâmetros.

O comitê de crise deveria ser coordenado pelo Ministério da Casa Civil com metas e programas a ser estabelecidos por consultores reconhecidos externamente. A precificação da água corrente em todas as bacias e rios e também da água acumulada em reservatórios para todos os usos consuntivos e não consuntivos deveriam ser calculados e cobrados. Assim, as usinas UHE e consumidores cativos não pagariam mais os custos sozinhos por escassez. No cenário, setores hoje considerados eficientes perderiam o posto?

Racionamento via preço – O Sistema de bandeira tarifaria atual, já é um racionamento via preço e um mecanismo injusto para o consumidor cativo. A falta ou encarecimento da geração de energia deveria abranger o consumidor neutro ou amante ao risco, e não o cliente cativo, avesso ao risco. Ele já paga o custo marginal de longo prazo sem os benefícios eventuais. O mecanismo atual incentiva os “risk-lovers”, consumidores livres que deveriam pagar os ajustes com bandeiras suaves, média, fortes e ultras fortes e assim uma contenção da sua demanda. A alteração das bandeiras mostra que é grave a crise, e que os instrumentos convencionais não funcionaram, e que o racionamento pode ser o próximo capítulo antes do colapso.

A informação de custo marginal de curto prazo menor que o de longo prazo foi falso nos últimos dez anos e somente seria verdadeira com patamar confortável nos níveis dos reservatórios, considerando a contribuição das demais fontes renováveis. Impactos dos rios voadores, desmatamento do meio ambiente e intensificação de energias renováveis não estão no plano de metas do MME-EPE. As curvas abaixo, de preços (PLD’s) e da Energia Armazenada na região SE-CO, demonstram as falhas de gestão e operação realizadas. A região Nordeste, com energias renováveis recuperou seus reservatórios, (Eólicas-90%, Solar-10%). A região SE-CO, poderia fazer o mesmo, com Solar-70%, Eólicas-10% e GNL 20%.

A solução proposta ser realizada no curto prazo, pois uma usina solar de grande capacidade pode ser construída e energizada em meses, visto a disponibilidade de materiais e equipamentos. Quanto às eólicas, precisam de mais de tempo, entretanto, têm condições de no período mais de um ano da contratação da energia, já começar a operar.

Apenas as térmicas a gás natural precisam de um prazo médio, visto a complexidade de seus equipamentos e a necessidade de estabelecer as fontes de suprimento de combustível. Mas, quando entrarem em operação, esta, a nosso ver deveria ser em regime de base, pois fornecem uma energia confiável, eficiente, com alta disponibilidade, acima de 90% e podem ser construídas próximas aos grandes centros de carga, onde normalmente já existe infraestrutura de GN, evitando extensas linhas de transmissão.

Ou seja, há soluções de curto e médio prazo para atender a alta demanda deste e do próximo ano, desde que as providências sejam tomadas imediatamente. Temos que criar o ambiente regulatório e legal de forma acelerada para que os investimentos aconteçam neste segundo semestre e o primeiro semestre do próximo ano, atendendo à demanda de forma racional e mais barata do que no modelo atual.

Quanto aos desvios de energia popularmente conhecida por “gatos” poderíamos utilizar a ideia inovadora da energia renovável distribuída com fazenda solares acopladas a pás eólicas nos topos dos morros e nos tetos solares. Assim, teríamos solução de longo prazo que inferniza os estados, consumidores e empresas distribuidoras sendo ainda nascente para profissionalização de mão de obras dessas comunidades. Sempre existe solução com imaginação, conhecimento e disposição para inovar. O Brasil não pode esperar…

Por MANUEL JEREMIAS LEITE CALDAS *Engenheiro Eletricista (IME) e Doutor em Economia (EPGE-FGV)

Compartilhe!