Por Carlos Evangelista — Presidente da ABGD
Como as distribuidoras de energia desprezam o cidadão e lideram os rankings de reclamações.
Introdução
A vida do consumidor brasileiro de energia elétrica se transformou em um verdadeiro calvário. Empresas concessionárias, que operam em regime de monopólio regional, abusam da posição dominante e tratam o consumidor com descaso. O resultado é um cenário de insatisfação generalizada, com distribuidoras constantemente no topo dos rankings de reclamações em órgãos de defesa do consumidor e em plataformas digitais como o Reclame Aqui.
O retrato da negligência: mais de R$ 1,1 bilhão em compensações
Em 2024, as distribuidoras de energia foram obrigadas a devolver R$ 1,122 bilhão em compensações automáticas por falhas na prestação do serviço. Isso significa 27,3 milhões de faturas corrigidas, porque a energia foi cortada por tempo excessivo ou caiu com frequência insuportável. Não é um número pontual: é a prova de que as falhas são sistêmicas e recorrentes. Nenhum setor essencial do país transfere tanto prejuízo ao bolso do consumidor por falhas contínuas.
Essas compensações não são “bondade” das empresas. São multas embutidas na fatura porque as distribuidoras não conseguem cumprir padrões mínimos de qualidade. Em outras palavras: a regra é falhar, a exceção é cumprir o contrato de concessão.
Campeãs em reclamações
Nos Procons estaduais, nomes como Enel São Paulo, Enel Rio de Janeiro e Enel Ceará aparecem há anos como líderes de reclamações. Só em 2024, a Enel SP acumulou 8.508 queixas formais no Procon-SP, com taxa de solução vergonhosa: apenas 16,4% dos problemas foram resolvidos. Isso significa que, em cada 10 consumidores que recorrem ao órgão, mais de 8 saem sem resposta efetiva.
A plataforma federal consumidor.gov.br, vinculada ao Ministério da Justiça, confirma a mesma lógica: embora as distribuidoras respondam quase todos os protocolos, a taxa de satisfação despenca quando o caso envolve solução prática. Na prática, trata-se de um “teatro burocrático”: respondem, mas não resolvem.
No Reclame Aqui, o retrato é ainda mais constrangedor: Enel RJ e Enel SP aparecem como “Não recomendadas”, com notas médias de 2,7/10 e 2,9/10 nos últimos seis meses. A percepção pública é devastadora: consumidores denunciam descaso, falta de transparência e dificuldade de comunicação.
O desprezo histórico ao consumidor
Esses números não são acidente ou falha pontual. Eles revelam uma cultura de desprezo que se consolidou ao longo dos anos. Enquanto o consumidor não pode escolher seu fornecedor de energia, as empresas sabem que, independentemente do nível de serviço, a receita continuará garantida.
Isso gera um ambiente perverso:
- O consumidor paga caro pela energia elétrica, mas recebe um serviço instável.
- É obrigado a perder horas em filas, call centers e canais digitais que não funcionam.
- Quando busca o Procon, vê sua demanda afundar em estatísticas de não solução.
- Quando expõe o problema online, percebe que milhares vivem o mesmo drama, sem consequência real para as empresas.
Em resumo: o consumidor é cativo, mas tratado como descartável.
A vida insuportável do cidadão brasileiro.
As distribuidoras de energia, que deveriam ser prestadoras de um serviço público essencial, transformaram-se em campeãs de reclamações e de humilhação ao consumidor. O fato de um setor essencial gerar mais de R$ 1,1 bilhão em compensações em apenas um ano é um escândalo que deveria mobilizar o país. Não se trata de episódios isolados, mas de um padrão de funcionamento que inferniza a vida de milhões de brasileiros.
Conclusão: pressão e mudança já
É urgente que o poder público e os órgãos de defesa do consumidor assumam uma postura mais dura. Multas, relatórios e rankings já não são suficientes. É preciso condicionar tarifas, dividendos e concessões ao cumprimento efetivo do direito do consumidor.
A vida do cidadão brasileiro não pode continuar a ser tratada como um detalhe em balanços bilionários. A relação das distribuidoras com o consumidor não é uma “questão de imagem”: é uma questão de dignidade.