Sol, tarifa social e mercado livre: a crônica de Hewerton Martins

Sol, tarifa social e mercado livre: a crônica de Hewerton Martins sobre a MP nº 1.300, que redesenha o setor elétrico brasileiro
A Medida Provisória nº 1.300, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 21 de maio de 2025, inaugura a segunda fase de modernização do setor elétrico brasileiro.
Enquanto aguarda análise do Congresso, a MP:
- abre, de forma escalonada, o mercado livre para consumidores de baixa tensão;
- redefine o conceito de autoprodutor;
- cria fontes de custeio para a Tarifa Social sem inflar a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Estruturada em três eixos – Justiça Tarifária, Liberdade de Escolha e Equilíbrio Setorial – a proposta tem efeitos imediatos sobre a geração distribuída (GD), o mercado livre e a sustentabilidade da própria CDE.
Eixo | Principais dispositivos | Breve efeito prático |
Justiça tarifária | • Tarifa Social gratuita até 80 kWh/mês para famílias de baixa renda.• Gratuidade da CDE para consumo mensal de até 120 kWh, para faixa de renda até ½ salário-mínimo per capita. | Amplia o universo de consumidores subsidiados e eleva a pressão sobre a CDE. |
Liberdade de escolha | •Abertura total do mercado livre: – Industriais e comerciais em ago/2026; – demais consumidores em dez/2027 – Criação do “Supridor de Última Instância – SUI”. | Pulveriza a competição varejista e exige nova infraestrutura de medição e faturamento. |
Equilíbrio setorial | • Mercado Livre, nova definição de autoprodutor obrigatoriedades, (demanda ≥ 30 MW e participação ≥ 30 % no capital).• Contagem regressiva para o fim dos descontos de TUST/TUSD.• Encargos da GD e Tarifa Social passam a ser rateados também pelos consumidores livres. | Fecha brechas de autoprodução figurativa e distribui subsídios por uma base maior de pagadores. |
Desafios e Oportunidades
- Mercado livre para residências — A abertura cria espaço para contratos “PPA virtual” para consumidores de baixa tensão que desejem energia 100 % renovável, preservando o atributo local e a previsibilidade da tarifa.
- Marketplace de comercializadores — Distribuidoras podem se transformar em ‘empresas-plataforma’, oferecendo curadoria de fornecedores, enquanto a concorrência reduz o custo da energia.”
Programas de “solar social” — Ao zerar a tarifa dos mais vulneráveis, o governo deve provocar e estimular parcerias entre prefeituras, fundos ESG e cooperativas solares para instalar pequenos sistemas fotovoltaicos comunitários, estas iniciativas podem reduzir a pressão na CDE.
Valorização da GD como hedge — Com o fim dos descontos de fio para novos autoprodutores do ML, a GD passa a ter mais competitividade frente às grandes usinas centralizadas.
Fabricantes de inversores e baterias passam a atuar nos serviços de rede garantindo mais estabilidade e menos interrupções, além de viabilizar a monetização de frequência-resposta, compensação reativa e armazenamento local.
Operadores de redes privadas (DSO) Integradores podem operar baterias de vizinhança e gerenciar qualidade de tensão como “energia-as-a-service”.
Dividir os custos da CDE com o mercado livre amplia o potencial de escala e reduz a percepção de impacto da GD sobre os consumidores.
Supridor de Última Instância (SUI), a abertura do mercado livre cria um vácuo perigoso: se um consumidor de baixa tensão migrar e a comercializadora escolhida falir ou rescindir o contrato, ele pode ficar literalmente “no escuro” até que a distribuidora ou outro agente assuma o fornecimento. A definição urgente de critérios de acionamento, prazos de cobertura e mecanismo de custeio do SUI é, portanto, essencial para que a liberdade de escolha não se converta em insegurança energética.
A visão de Hewerton Martins
“A MP trouxe luz e sombra ao mesmo tempo”, resume Hewerton Martins. “Ganhamos escala potencial: dividir o bolo da CDE com o mercado livre desarma, por ora, o discurso de que a GD pesa no bolso popular.
Sol, tarifa social e mercado livre: a crônica de Hewerton Martins
Para o presidente do Movimento Solar Livre, o setor deve reagir em duas frentes:
Eficiência regulatória — participar ativamente das consultas públicas da Aneel, a fim de assegurar que a metodologia de rateio dos encargos não onere injustamente quem já investiu sob a Lei 14.300.
Articulação social — Estimular a criação de emenda para MP com projetos de micro-GD ao novo programa da Tarifa Social, mostrando que a energia solar é, simultaneamente, vetor de inclusão social, desenvolvimento da indústria nacional, geração de empregos em mais de 5000 municípios onde a micro-gd está presente, redução da CDE e alívio fiscal para o próprio governo.
*“O sol continua nascendo de graça”, conclui Martins. “Cabe a nós garantir que cada raio chegue a quem mais precisa, sem sacrificar a competitividade do mercado. Essa MP não é o fim; é apenas o primeiro capítulo de uma temporada regulatória que exigirá vigilância, técnica e diálogo permanente.”
Próximos passos
Etapas para a Conversão da MP em Lei
Vigência Imediata: A MP tem força de lei desde sua publicação no Diário Oficial da União.
Envio ao Congresso Nacional: O texto é encaminhado ao Congresso Nacional, que tem um prazo inicial de 60 dias para analisá-lo. Esse prazo pode ser prorrogado uma única vez por igual período, totalizando até 120 dias.
Formação de Comissão Mista: Uma comissão composta por deputados e senadores é criada para emitir um parecer sobre a MP.
Análise e Votação:
Câmara dos Deputados: Após o parecer da comissão, a MP é votada no plenário da Câmara.
Senado Federal: Se aprovada na Câmara, segue para votação no Senado.
Conversão em Lei:
Se aprovada sem alterações, a MP é promulgada pelo Presidente da República.
Se houver alterações, retorna à Câmara para nova análise.
Perda de Eficácia: Se não for aprovada dentro do prazo total (até 120 dias), a MP perde sua validade. Congresso Nacional
Etapas de Regulamentação Pós-Aprovação
Após a conversão da MP em lei, é necessário regulamentar seus dispositivos para garantir sua aplicação prática. As etapas incluem:
Elaboração de Decretos e Portarias: O Poder Executivo, por meio de ministérios e agências reguladoras, elabora normas complementares detalhando a aplicação da lei.
Consulta Pública: Em muitos casos, são realizadas consultas públicas para colher contribuições da sociedade e dos setores envolvidos.
Publicação das Normas: As regulamentações são publicadas no Diário Oficial da União e entram em vigor conforme estabelecido.
Fiscalização e Implementação: Órgãos competentes monitoram e fiscalizam o cumprimento das novas regras, aplicando sanções em caso de descumprimento.
Em síntese, a MP nº 1.300 acena com um setor elétrico mais plural, digital e competitivo, mas seu sucesso dependerá da agilidade com que Congresso, Aneel e sociedade transformem o texto em regras claras e aplicáveis. Como defensor incondicional da geração distribuída, conclamo deputados e senadores a apresentarem uma emenda que coloque as pequenas usinas de Micro e Mini Geração Distribuída solar no centro da transição energética brasileira, elevando a GD solar a política de Estado — eixo decisivo para reduzir a CDE, erradicar a pobreza energética e irrigar de empregos os mais de 5 000 municípios já tocados pela energia limpa. Quando a luz que nos cobre diariamente torna-se pilar da reforma, cada quilowatt-hora gerado no telhado deixa de ser apenas eletricidade: converte-se em oportunidade de desenvolvimento local e em trilha para uma transformação verdadeiramente justa, sustentável e democrática.
Por Hewerton Martins – Presidente do Movimento Solar Livre