A recente Medida Provisória nº 1.304, de 11 de julho de 2025, insere-se em um contexto de ampla modernização regulatória do setor elétrico brasileiro.
Após a conversão da MP nº 1.300 na Lei nº 14.875/2025, que redesenhou pilares tarifários e de subsídios, a MP 1.304 aprofunda o debate sobre responsabilidade tarifária, governança regulatória e o equilíbrio socioeconômico da transição energética.
Contudo, essa modernização exige cuidado redobrado para que o avanço normativo não se traduza em retrocesso ambiental ou social — especialmente no que tange à GD (Geração Distribuída), principal vetor da descentralização e democratização do acesso à energia no país.
A GD, consolidada pela Lei nº 14.300/2022, representa hoje no setor elétrico uma expressão da função social da energia.
Ao permitir que consumidores se tornassem também produtores, o legislador consagrou, na prática, o princípio da função social da energia elétrica — desdobramento do art. 170, III e VI, da Constituição Federal, que estabelece como fundamentos da ordem econômica a valorização do trabalho humano e a defesa do meio ambiente.
A geração distribuída deu materialidade à transição energética descentralizada, fomentando empregos locais, reduzindo perdas elétricas e estimulando o investimento privado em tecnologias limpas.
Mais do que um instrumento econômico, tornou-se um direito de participação ativa na matriz energética, ampliando o conceito de cidadania energética.
A MP 1.304, editada sob o argumento de aprimorar a sustentabilidade econômico-financeira da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), introduz um mecanismo de Responsabilidade Tarifária, inspirado na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal)
A proposta determina que qualquer novo benefício tarifário ou incentivo setorial seja precedido de estimativa de impacto orçamentário-financeiro, definição de fonte de custeio e avaliação de repercussão sobre as tarifas.
Em termos constitucionais, busca-se compatibilizar a política tarifária com o art. 37 da Constituição Federal, que impõe à Administração Pública os princípios da eficiência, moralidade e transparência.
Do ponto de vista jurídico, trata-se de controle da expansão de encargos setoriais. Porém, ao aplicar o mesmo raciocínio fiscal a políticas de transição energética, é indispensável que o debate não se restrinja à ótica contábil.
O setor elétrico é um serviço público essencial — e, portanto, instrumento de concretização de direitos fundamentais, como o direito à moradia digna e ao meio ambiente equilibrado.
O risco de confundir justiça tarifária com restrição de acesso: Sob o discurso de “justiça tarifária”, parte da discussão regulatória tem se voltado contra a Geração Distribuída, sobretudo quanto ao pagamento dos custos de rede e aos efeitos sobre a CDE. Todavia, é preciso distinguir equilíbrio tarifário de penalização de modelos sustentáveis.
São Paulo, 28 de Outubro de 2025 -Nesta terça-feira (28), o senador Eduardo Braga (MDB-AM) apresentou ao Congresso Nacional o relatório final da MP (Medida Provisória) 1.304/2025, que propõe alterações em diversas leis relacionadas ao setor elétrico, ao mercado de gás natural e à GD (geração distribuída) no Brasil.
O texto foi lido pelo relator durante reunião da Comissão Mista responsável pela análise da MP e reacendeu o debate sobre como equilibrar a modernização do setor elétrico com a manutenção dos incentivos às fontes renováveis.
Vale ressaltar que o texto apresentado pelo senador é preliminar e ainda será discutido em Plenário antes de ser apreciado pelos parlamentares.
Em entrevista ao Canal Solar, representantes do mercado de energia solar afirmaram que o documento apresenta avanços pontuais, mas também traz riscos de retrocesso, especialmente no que diz respeito à GD.
De acordo com análise preliminar de Bárbara Rubim, CEO da Bright Strategies, o relatório apresentado pelo senador Eduardo Braga traz pontos que podem gerar insegurança jurídica, ao mesmo tempo em que inclui aspectos positivos para o setor.
Entre os trechos que mais chamaram a atenção da executiva estão:
Nova cobrança: projetos protocolados a partir da publicação da MP convertida em lei deverão pagar R$ 20,00 a cada 100 kWh compensados, até 31 de dezembro de 2028 — uma taxa adicional que antecede o encontro de contas;
Curtailment: o texto permite que a ANEEL estabeleça mecanismos de compartilhamento de riscos de cortes de geração entre diferentes agentes, o que, na prática, pode incluir a GD nesse rateio;
Teto para a CDE: cria-se um limite de orçamento a partir de 2025, com cobrança escalonada em 2027 (50%) e 2028 (100%) sobre o que exceder esse teto.
Por outro lado, Bárbara avaliou como positivos a isenção de impostos para baterias, estimulando o avanço dos sistemas de armazenamento de energia (BESS); e o rateio mais equilibrado da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético).
O MSL (Movimento Solar Livre), por sua vez, classificou o texto apresentado pelo relator como “um duro golpe à microgeração distribuída”.
Segundo a entidade, o parecer propõe uma dupla cobrança sobre os novos entrantes no SCEE (Sistema de Compensação de Energia Elétrica), já que a nova taxa de R$ 20,00 a cada 100 kWh compensados não revoga o pagamento escalonado do Fio B, previsto no Art. 27 da Lei 14.300/2022.
Apesar das críticas, o dirigente reconhece avanços pontuais no parecer, especialmente nos trechos voltados ao armazenamento de energia.
“O incentivo estratégico para baterias é um ponto positivo. O artigo 22 do relatório concede isenção total de impostos federais — IPI, PIS/Pasep e Cofins —, inclusive na importação, para sistemas de armazenamento de energia em bateria (BESS) e seus componentes”, destacou Martins.
O executivo também ressaltou que o texto autoriza o Poder Executivo a reduzir a alíquota do Imposto de Importação a zero para esses equipamentos, com teto de incentivo fiscal limitado a R$ 1 bilhão em 2026.
Para Carlos Evangelista, presidente da ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída), o relatório apresentado pelo senador Eduardo Braga “traz avanços importantes e, até aqui, merece reconhecimento pela sensatez técnica e pelo respeito ao marco legal vigente”.
“Em relação à DSO, ao curtailment e à tarifa multipartes é fundamental destacar que o que foi escrito não afeta a geração distribuída. Os contratos existentes foram integralmente preservados e todos os direitos previstos na Lei nº 14.300/2022 foram respeitados. Essa coerência jurídica e regulatória reforça a segurança necessária aos investimentos já realizados e à continuidade da expansão do setor”, avaliou.
Ele ainda apontou que a possibilidade de incorporação de sistemas de baterias (armazenamento de energia) foi bem recebida.
“Essa inclusão representa um passo importante rumo à modernização e à maior eficiência do sistema elétrico, permitindo ao consumidor maior autonomia, flexibilidade e contribuição à estabilidade da rede — pontos há muito defendidos pela ABGD”, acrescentou.
No entanto, o relatório suscita duas preocupações legítimas da ABGD:
O novo encargo de complemento de recursos, proposto para situações em que houver ultrapassagem do limite da CDE, pode gerar imprevisibilidade tarifária e transferir ao consumidor um ônus que não é de sua responsabilidade direta;
Não foi positiva a criação do encargo de R$ 200 por megawatt-hora incidente sobre GD2 e GD3. Isso merece análise detalhada para evitar distorções ou riscos de extensão indevida à GD sob a Lei 14.300/22.
“Em suma, o relatório preserva conquistas fundamentais e avança em pontos técnicos relevantes, como a integração das baterias. Ainda assim, a ABGD seguirá atenta e atuante, dialogando com o Congresso e demais entidades para garantir que nenhum novo encargo recaia sobre o cidadão que produz sua própria energia, fortalecendo o princípio de justiça, previsibilidade e liberdade energética que norteia a geração distribuída no Brasil”, completou Evangelista.
Já Heber Galarce — presidente do INEL (Instituto Nacional de Energia Limpa), expressou preocupação em relação ao texto apresentado pelo relator Braga.
“Em nome do INEL, manifesto profunda preocupação com o relatório da MP 1304/2025 pelo risco de afetar quem investiu do próprio bolso para gerar energia limpa em casa — o pequeno gerador, o dono de telhado —, ao comprometer a segurança jurídica desses investimentos, reduzir incentivos à microgeração distribuída e penalizar a autonomia energética. Estamos em diálogo com o governo para entender onde o processo “perdeu a linha” e garantir um modelo justo, inclusivo e sustentável para todos”, avaliou.
Pedido de vistas
Mesmo reconhecendo pontos positivos, o MSL afirmou que vai pedir vistas ao relatório, com apoio de parlamentares como o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), para realizar uma análise técnica detalhada e propor destaques que garantam a proteção dos consumidores.
“O Movimento Solar Livre, liderando a coalizão solar, vai analisar com calma o parecer e apresentar propostas em conjunto com os parlamentares comprometidos com o direito do consumidor”, concluiu Martins, em entrevista ao Canal Solar.
Fonte: https://canalsolar.com.br/senador-eduardo-braga-relatorio-mp1304/
28 de Outubro de 2025
O presidente da Associação Baiana de Energia Solar (ABS), Marcos Rêgo, esteve em Brasília na última semana para defender o cumprimento da Lei nº 14.300/2022, conhecida como o Marco Legal da Geração Distribuída. O dia foi marcado pela entrega de uma Carta Aberta ao Congresso Nacional, assinada por Hewerton Martins, presidente do Movimento Solar Livre (Confederação Brasileira de Frentes de Geração Distribuída); pelo presidente da ABS e por outros 24 presidentes de associações e frentes estaduais de geração distribuída de energia.
A carta, que é um apelo técnico e institucional em defesa da segurança jurídica, da previsibilidade regulatória e do respeito à Lei nº 14.300/2022, aponta que a geração distribuída é parte da solução e não o problema, pois combate diretamente a ineficiência que há décadas encarece a energia dos brasileiros. O documento ressalta que alterar a Lei nº 14.300 afetaria milhares de famílias, pequenos comércios e produtores rurais e o equilíbrio regulatório do setor. Além disso, a geração distribuída representa o maior movimento popular de energia limpa do país, com impacto social e econômico em mais de cinco mil municípios brasileiros.
Apesar de a Lei nº 14.300 ter sido aprovada pelo Congresso Nacional após dois anos de intensos debates técnicos e foi instituído um período de transição até 2029, a valoração dos custos e benefícios da micro e minigeração distribuída ainda não foi apresentada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), cujo prazo legal expirou em julho de 2023. A carta esclarece que sem esse levantamento, qualquer tentativa de criar encargos, como o Encargo de Complemento de Recursos (ECR), alterar tarifas ou modificar o modelo vigente carece de base técnica e fere o princípio da razoabilidade.
Para Marcos Rêgo, é de suma importância que a ANEEL, o Ministério de Minas e Energia e o Operador Nacional do Sistema (ONS) discutam uma reforma estrutural no setor elétrico do país, que está sucateada há décadas. “Precisamos urgentemente de melhores redes de distribuição, soluções de armazenamento para tornar as grandes usinas solares e eólicas despacháveis e até mesmo investir nas tão sonhadas usinas hidrelétricas reversíveis. Não podemos, como representantes da Geração Distribuída na Bahia e no Brasil, levar a culpa pelo problema do curtailment (cortes de energia)”, avalia.
Diante disso, a mobilização é fundamental para que o país continue a ter energia limpa e mantenha um compromisso com a segurança jurídica, a previsibilidade regulatória e a confiança do cidadão brasileiro. Na próxima semana, os presidentes de associações e frentes estaduais de geração de energia distribuída retornam à Brasília para lutar pelo futuro do setor de energia solar.
“A Bahia é líder nacional na transição energética e precisa dar exemplo para o país. Esperamos que a bancada baiana no Congresso Nacional possa entender a demanda do setor de geração distribuída e preservar o que foi definido pela Lei 14.300. Queremos acima de tudo garantir o direito do consumidor de gerar sua própria energia, proteger os milhares de empregos baianos e seguir sendo referência nacional”, finaliza Marcos Rêgo.
Fonte: Bahia Econômica
São Paulo, 26 de Outubro de 2025 -A Associação Potiguar de Energias Renováveis (Aper) endossou uma carta assinada pela Associação Brasileira Movimento Solar Livre (MSL), entregue na última quinta-feira 23 ao Congresso Nacional. O documento, assinado pela entidade nacional, com a assinatura também do presidente da Aper e conselheiro nacional do MSL, Williman Oliveira, representa um apelo técnico e institucional em defesa da segurança jurídica, da previsibilidade regulatória e do cumprimento integral da Lei nº 14.300/2022, o Marco Legal da Geração Distribuída (GD).
A carta destaca que o Brasil vive um momento decisivo para o futuro de sua matriz elétrica, e reforça que a geração solar distribuída, instalada em telhados, pequenos comércios, propriedades rurais e cooperativas, é hoje símbolo da democratização da energia e da transição energética justa. Atualmente, mais de 6,9 milhões de unidades consumidoras produzem parte da energia que consomem, beneficiando 21 milhões de brasileiros e sustentando 1,5 milhão de empregos diretos e indiretos, com potencial de gerar mais 3,2 milhões até 2030.
Mudar lei da energia limpa ameaça empregos e segurança jurídica, alerta setor – Foto: José Aldenir
A Lei nº 14.300, aprovada pelo Congresso Nacional após dois anos de debates técnicos, instituiu um período de transição até 2029, durante o qual os consumidores que geram sua própria energia contribuem gradualmente com a remuneração da rede elétrica. Esse modelo garante equilíbrio econômico, previsibilidade e justiça tarifária, permitindo que o setor evolua com base em inovação tecnológica e redução de custos.
A carta também alerta para o atraso na entrega dos estudos técnicos sobre os custos e benefícios da micro e minigeração distribuída, cuja responsabilidade é da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). O prazo legal expirou em julho de 2023, e a ausência desse levantamento compromete qualquer tentativa de criação de novos encargos ou alterações tarifárias — como o Encargo de Complemento de Recursos (ECR), por falta de base técnica e legal.
O documento ressalta que o verdadeiro desafio do setor elétrico brasileiro é estrutural, com perdas técnicas de 112,5 TWh em 2025 — o equivalente a 14,7% de toda a energia elétrica consumida no País. Em comparação, países como Alemanha, Reino Unido, Chile e Costa Rica registram perdas inferiores a 10%. A geração distribuída solar, ao aproximar a produção do consumo, reduz desperdícios, preserva recursos hídricos e fortalece a estabilidade do sistema elétrico, sendo parte da solução e não do problema.
A Aper reforça que alterar o Marco Legal da Geração Distribuída seria uma injustiça social e econômica, afetando milhares de famílias, pequenos empreendedores e produtores rurais que investiram em energia solar confiando na segurança jurídica garantida pela Lei nº 14.300. Segundo dados citados na carta, cada real investido em energia solar retorna mais de três reais em benefícios sociais e econômicos, fortalecendo o comércio local e promovendo o desenvolvimento regional sustentável.
A Aper e o Movimento Solar Livre também reafirmam o compromisso com uma transição energética justa, feita com o cidadão e não contra ele. “Às vésperas da COP30, o Brasil precisa reafirmar ao mundo seu papel de liderança climática e compromisso com a sustentabilidade, e não retroceder em conquistas que democratizam o acesso à energia limpa”, dizem as entidades. “A geração distribuída é o maior movimento popular de energia limpa do país. Defender a Lei nº 14.300 é defender o futuro da energia brasileira, os empregos e a confiança de milhões de cidadãos”, destaca o presidente da Aper, Williman Oliveira.
Fonte : Agora RN